Essa é a génese do eros frenético.
O que quero dizer é que o equívoco foi sempre o contrário da polifonia, isto é, que o prazer é uma perversão, uma deturpação do sofrimento. Porque eu nunca digo o que quero. Sou uma outra espécie de licencioso: como não digo o que quero, digo o que não quero.
Essa é a génese do eros frenético.
(...)
Estou sempre a andar. Tenho essa erótica. Bato à porta dos meus amigos e pergunto: diga-me por favor se está aí o meu ombro esquecido. Ao que eles respondem: esta pequena está cada vez menos espirituosa. Isso delicia-me. Tenho essa frenesia. Sento-me à secretária e trabalho na detergência morosa, minha obra-prima.
Sou como o/a filósof o/a celerad o/a.
Essa é a génese do eros frenético.
Mas isso foi há milhões de palavras. Agora produzo pensamento em palavras por segundo.
O que acontece entre nós é o não-acontecimento até à absurdidade. Às vezes penso que é fascinante viver num ambiente assim inconcebível. Mas na verdade gostaria de poder fazer qualquer coisa de radical uma detergência profunda ontológica a isto.
Porque do que todos gostam é do poeta que diz «a tua boca é um sorvete de morangos» ou «dos lupanares saem os devassos».
Que fazer perante as flâmulas do optimismo pueril desses devaneios de satírico e petroleiro (sic) ? De facto a filosofia não nos descortina bons augúrios na vida. Resta-nos apenas o raciocínio calmo e suspicaz.
Essa é a génese do eros frenético.
A zombaria é evidente mas exprime a verdade. Sou apologista das sátiras dicacíssimas.
Mas nunca exagero. O máximo que digo é: não façam isso à vaca.
Sou portuguesa e o meu estilo é barroco. O barroco é um estilo ornamental oriundo no desgaste (é daí que vem a minha tese da detergência) ou na atribulada escrituração da ostra. Tanto é o estilo objecto para escrita e pináculo da coluna vertebral uma cadeia de causalidades concatenadas produto de uma natureza transbordante. É por isso que o português se exprime na oportunidade do super-mercado.
Ainda há dias ouvi dizer a alguém: o que me vale é as coisas que eu não sei. E assim dizendo encolhia os apotécios. Não basta que as coisas sejam verdadeiras também é preciso que sejam verídicas. Já Apolónio o Filomuso autor da Balança Intelectual criticava o Fulano Indiferente.
Mas eu não posso preocupar-me com tais trivia. Quando se atinge o nível da gargalhada reprimida começa a grande sabedoria.
Essa é a génese do eros frenético.
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Ana Hatherly - um calculador de improbabilidades
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Não consigo abstrair-me destas coisas nem da problemática das vírgulas, nem mesmo enquanto vejo a cerimónia da entrega dos Óscares de Hollywood e reparo que o Leo merecia ganhar o eros, digo, o óscar.
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26 fevereiro 2007