Tactear o transitório. Ser fulguração. Sentir o esgar da revolta, da ironia, do espanto...

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carpet crawler
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31 Agosto 2006

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o que não é, é se não for
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atrás deste vidro que não oculta o teu olhar
permaneces como se ainda fosses tu
e como se o silêncio me dissesse os teus desejos
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30 Agosto 2006

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gift
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sonhos estranhos, os desta noite
meio eróticos, sem princípio nem fim
tu no meio e eu a rir de mim
com medo de me mexer

estamos a ser revelados na câmara escura

assim te quero e protejo
de tudo o que pensas conhecer

ainda não estou suficientemente consistente - confiável
posso deitar tudo a perder


que pensarás tu, dentro do teu sono?

a vida é um risco muito mal feito
e o passado uma palavra
que se esqueceu de olhar em frente

mas olha

proponho-te um amor que desconheço
e se conseguir despir-te e despir-me de palavras
pode ser que te ofereça, hoje, a minha vida inteira

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30 Agosto 2006

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Insustentável leveza
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Uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma
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Irene Lisboa

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29 Agosto 2006

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Gente que trabalha nos telhados
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(...)
Eles, a gente que trabalha nos telhados,
jamais o confessarão, mas conhecem
a cor do céu.
Sabem que não é azul sobre as aves.
A gente que trabalha nos telhados, essa gente sim
tem verdadeira vertigem.
A gente que trabalha nos telhados não poderia trabalhar
num night-club, ou entre as quatro paredes de um café.

Pelo gesto que desenham
ao suspeitar que uma telha possa estar solta,
intuímos que, numa vida não tão distante, podem ter sido
indecisos professores de tango.

A gente que trabalha nos telhados odeia
as horas de ponta, evita aglomerações,
como se a multidão, os autocarros, o odor a leucemia
ou a palavra demasiado tivessem a culpa da sobrecarga,
de que o mundo se despenhe pouco a pouco
pelas suas fissuras de barro.

A gente que trabalha nos telhados sai de madrugada
desconfia até das ruas vazias.
Não são estáveis as avenidas no interior dos seus olhos.
E nas poucas vezes que se aventuram a descer
antes de deixar o passeio e pisar a passadeira de zebra
comprovam primeiro, com um pé,
a dureza do asfalto,
temerosos de que um rio gelado
possa quebrar-se sob os seus pés.
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Harkaitz Cano

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29 Agosto 2006

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Desafio
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Qual dos dois está a pensar dizer, já disse ou vai dizer: "Mas o que é que tu queres, pá?" E porquê?

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24 Agosto 2006

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Tanto mar, tanto mar...
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A propósito da atitude da direcção do PCP face a Carlos de Sousa, e não a quente - pensei uns bons 5 segundos nisto - faço minhas as palavras daquele ditado popular que diz: "Não peças a quem pediu, nem sirvas a quem serviu".
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23 Agosto 2006

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Anátema II
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A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos.
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in Pensamentos - Mia Couto
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22 Agosto 2006

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Anátema I
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Nós temos cinco sentidos:
são dois pares e meio de asas.
- Como quereis o equilíbrio?
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David Mourão-Ferreira
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22 Agosto 2006

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Os frutos proibidos...
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...dançam loucamente à nossa volta
e depois riem-se da nossa impotência.

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22 Agosto 2006

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Carta (Esboço)
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Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que este sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem da comunicação
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas esta tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento, e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.
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Nuno Júdice
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22 Agosto 2006

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Último acto
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Tendo conseguido manter os ramos erguidos
E calar o tempo que me pedia flores
Que me murchavam na mão
Agora vou atar a vida ao chão.
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21 Agosto 2006

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O que, por não ter procurado, achei
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...acho imprescindível não se ver tudo de coisa nenhuma para se gostar de qualquer coisa.
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20 Agosto 2006

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O caderno mais igual que os outros
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O que tem de especial um pequeno caderno de capa preta oleada? Nada, pensará a maioria. Tudo, dirá quem nele escreve.
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(...) A importância que assumiu este artefacto no imaginário de incontáveis pessoas do meio literário, intelectual e artístico, explica-se em duas palavras: Qualidade e Marketing.
Qualidade: este é, pelo menos, o ponto de partida. Foi a qualidade dos cadernos que levou ao seu uso generalizado no início do século XX entre personagens parisienses como Matisse, Céline e Hemingway que nos anos vinte estava radicado na capital francesa.
Os cantos arredondados para não magoar, nem rasgar o tecido dos bolsos (onde cabe perfeitamente, devido ao tamanho 9x14cm); o elástico que mantém o caderno fechado e as folhas direitas; a capa dura, impermeável, que guarda as folhas da sujidade e do pó; a bolsa no final para guardar papéis, recibos, notas; o marcador, sempre útil; as tabelas conversoras de medidas, quer de volume, quer de distância, quer de tamanho de roupa; e, não menos importante que tudo isto, a qualidade do papel, suficientemente grosso para ser resistente mas suficientemente fino para garantir um peso perfeito.
Foram aspectos como estes que levaram o escritor e aventureiro Bruce Chatwin (autor do mítico "Na Patagónia") a estarrecer, incrédulo e abatido, quando o dono da sua papelaria o informou que os Moleskine já não existiam, uma vez que a família que os produzia tinha cessado essa função.
Chatwin comprou o restante stock (...). O seu entusiasmo contagiou Sepúlveda, a quem ofereceu um Moleskine novo. A importância que esta oferta teve sobre o escritor chileno pode-se medir pelo título do seu livro "Moleskine: Apuntes e Reflexiones", traduzido para português como "Uma História Suja".
E com isto somos chegados à segunda palavra: Marketing. De génio, aliás. Quem compra um Moleskine hoje, ficará surpreendido ao descobrir que os actuais fabricantes, os italianos Modo e Modo, apenas começaram a produzir e vender Moleskines em 1998. As tarjetas que acompanham cada compra, bradam, para quem ainda não souber, que se trata do "Lendário caderno de Hemingway, Picasso e Chardwin" (...).
E depois há a grande variedade; desde a sua "reencarnação" que os cadernos se têm multiplicado em tamanhos e formatos. Para além do mais clássico e mais vendido, também existem Moleskines com folhas lisas e aos quadrados e de tamanho A4. Há cadernos para arquitectos, para guardar moradas, para artistas e realizadores de cinema; Moleskines com pautas, para músicos...ao todo, são mais de 30 modelos diferentes.
Quando um objecto conquista um determinado estatuto, é normal que assuma proporções inimaginavéis. Há blogs, foruns, uma panóplia de artigos de imprensa e inúmeras páginas dedicadas ao objecto que veio provar que nem todos os cadernos nascem iguais.
Um exemplo é o Moleskinerie, uma página multifacetada que funciona como um blog, ponto de encontro de fãs, e também como sede virtual da iniciativa da Wondering Moleskine Project (WMP). Basicamente, o WMP é formado por uma listagem de nomes e moradas e uma série de cadernos que vão viajando pelo mundo. Cada vez que se recebe um, preenche-se uma página da forma que apetecer e envia-se para o nome seguinte na lista.
(...) Neste momento existem 13 Moleskines a viajar pelo mundo, de Lisboa à Nova Zelândia, da Suécia até Hong Kong. O caderno ignora a existência de fronteiras e compreende todas as línguas que nele vão inscritas.
Porque no fundo é esta a essência da mística dos Moleskine: podem ter nascido de uma mistura híbrida de marketing e qualidade, podem estar na sua segunda encarnação mas vivem, essencialmente, de uma imagem de viajantes e aventureiros. (...) Os utilizadores do pequeno e imortal bloco de notas são os Chatwins do século XXI. Compram Moleskines de forma quase ritual e partem para a descoberta e aventura. Se nunca chegam a acompanhar físicamente os seus cadernos o que é que importa? O importante, mesmo, é viajar.
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in Os Meus Livros

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20 Agosto 2006

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Apontamento
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Entrevista de Mário Crespo a Maria do Carmo Vieira. Ela, com as mãos desenhando poesia no ar, a denúncia acutilante no rosto, a revolta e coragem nas palavras, na sua já conhecida luta contra a mediocridade do ensino em Portugal, particularmente da língua portuguesa, sabendo que corre o risco dum processo disciplinar - o que daria para centenas de apontamentos (estou certa que ela não gostaria da palavra "posts") :

MCV - Aprender quer dizer agarrar, juntar a si...
MC - Adicionar com.

Estava certo. Mas gostei mais da busca que do encontro.
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17 Agosto 2006

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step by step
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se me deixasses construiria o teu próximo passo
e entre as nossas bocas colocaria um centímetro
nenhuma distância seria então mais insuportável
e entenderias nesse curto espaço todas as respostas

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16 Agosto 2006

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loser
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16 Agosto 2006

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flagellation
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- do you believe in all this?
- what's that?
- suffering
- it's not suffering, is devotion
- sweety, what's the difference?
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16 Agosto 2006

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A biologia do amor II
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A tentação
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O guardião
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15 Agosto 2006

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A biologia do amor I
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O que eu não dava para trabalhar nestas áreas e descobrir coisas exactas e bonitas como as do penúltimo parágrafo...
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15 Agosto 2006

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Dúvida
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Estou mal informada ou a recente "implicação" de Israel contra o Líbano não começou devido à captura de dois soldados israelitas pelo Hezbollah (que podem estar ainda vivos), o que levou à morte de centenas de pessoas, a maioria civis (numa larguíssima vantagem númerica de libaneses versus israelitas), à destruição de cidades e milhares de outras vidas?
Estou mal informada ou, depois do cessar-fogo desse mesmo feito, não foram mortos pelo exército Israelita, pelo menos, dois soldados do Hezbollah, não tendo havido, por isso, nenhuma guerra?
Ou estou mesmo mal informada ou os soldados usam todos farda, mas umas são mais haute couture que outras...
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14 Agosto 2006

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Equívocos jornalísticos
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Deve ter havido algum erro na escolha da fotografia que ia acompanhar este título. Pensei que a frase "um plano para cometer assassinatos a uma escala inimaginável" se aplicava à acção do exército americano pelo mundo fora. Não me enganei, pois não? O erro está na selecção da imagem, certo?

Post trazido
daqui, com a devida autorização.

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13 Agosto 2006

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getting behind
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a chave não é
gostarmos das mesmas coisas

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a chave é
ferirmo-nos nas mesmas coisas
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13 Agosto 2006

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Acordai!
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Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raíz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!

_
Música: Fernando Lopes Graça
Letra: José Gomes Ferreira

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Como homenagem a Fernando Lopes Graça, no ano do centenário do seu nascimento.
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Mas também porque me lembrei de gritar o mesmo mote a quem ainda acredita na quase desarmante candura dos dois novos senhores do mundo ao elaborarem, tão oportunamente (demasiado oportunamente), estas conspirações contra si mesmos, como a de ontem. Acordai!

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11 Agosto 2006

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Nathalie Cardone - Hasta Siempre
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Não um mito apenas
Mas o rosto da verdadeira nobreza revolucionária
Esse era o teu, Che
Os teus olhos ardiam
E ofuscavam os demais
Que, ao tentarem fechá-los
Deixaram-nos mais abertos
Para sempre.
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"Eu gosto dos que têm fome. Dos que morrem de vontade. Dos que secam de desejo. Dos que ardem!"AC
_

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Aprendimos a quererte
Desde la historica altura
Donde el sol de tu bravura
Le puso un cerco a la muerte


(Estribillo)
Aquí se queda la clara
La entrañable transparencia
De tu querida presencia
Comandante Che Guevara


Vienes quemando la brisa
Con soles de primavera
Para plantar la bandera
Con la luz de tu sonrisa

Como revolucionario
Que conducía nueva empresa
Donde espera la firmesa
De tu brazo libertario


(Hablado)
Seguiremos adelante
Como junto a tí seguimos
Y con Fidel te decimos
Hasta siempre Comandante

Che: "Esa hora irá creciendo cada día que pase, esa hora ya no prará más".
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11 Agosto 2006

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Wounds 4
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Cântico Negro
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"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

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José Régio
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11 Agosto 2006

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provavelmente
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se nos encontrarmos vou pagar-te um café
e ficar a ouvir-te contar a tua vida,
vou trancar a porta do carro,
e deixar a luz acesa no último quarto.

se nos encontrarmos talvez faça sentido
começar ainda por te olhar as mãos.

se nos encontrarmos talvez nem te pergunte quem és.
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11 Agosto 2006

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De como menos de metade dum poema é um poema inteiro
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Há-de ser possível
Estudar em mais pormenor
A alma que está
No teu corpo
(Onde há-de ela estar, a pobre?),
Mas, para isso,
Tenho que passar pelo teu corpo.
E se fosse só o corpo...
São todas essas complicações
Que há nos corpos,
Os olhos naufragantes,
Os braços caia-ventos,
As mãos promissórias,
E mais isto e isto,
E aquilo.
Perdoa.

Ainda se eu caisse para o teu colo
Num autocarro.
_
Menos de metade do poema de Manuel Resende:
"Poema roubado a Adília Lopes"
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11 Agosto 2006

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Uma conversa
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A - Bom dia.
B - Bom dia.
A - Procuro uma cama.
B - Tenho muitas, mas nenhuma como a que o senhor procura.
A - Como sabe?
B - Porque todas estas camas são minhas; portanto, é impossível que, entre elas, esteja a que procura.
A - Mas a cama que procuro não é minha.
B - Está, portanto, a fazer um favor a um amigo...
A - Não...o senhor não compreendeu...eu procuro uma cama para comprar...pensei que o sr. tivesse camas para vender...
B - E tenho...todas as que vê aqui são para vender...
A - Então não são suas?
B - Exactamente...por isso mesmo é que as vendo.
A - Já percebi...não gosta delas...
B - Pelo contrário - gosto até bastante delas!
A - Não percebo então porque as vende...
B - Ora essa! Elas são o meu ganha pão!
A - Então diga-me quantas carcaças custa aquela ali, de mogno.
B - Desculpe, mas o pagamento terá de ser feito em dinheiro.
A - Estou a ver...depois, com o dinheiro é que o sr. vai comprar o pão.
B - E o resto, claro!...
A - Ah! Também há resto!...
B - É evidente! Já a minha avó me dizia: «Nem só de pão vive o homem».
A - De acordo. Mas diga-me, por favor, que tipo de camas tem para venda?
B - Tenho de tudo um pouco.
A - E camas inteiras não tem?
B - Claro que tenho! Que tipo de cama desejava?
A - Olhe, para lhe ser franco, qualquer uma me servia...essa, por exemplo, é cómoda?
B - De modo nenhum: essa aí é uma cama. Cómodas também tenho, ali ao fundo do salão, ao lado dos psichés.
A - Não, não...se é cómoda, quero dizer: se confere comodidade ao seu utente?
B - Desculpe, mas utentes não tenho. Pensa que sou algum laranja?
A - De facto, a sua côr é mais a atirar pró vermelho...
B - Não misture políticas com camas, por favor...
A - Não seria a primeira vez...já se tem feito...
B - Pois aqui, no meu estabelecimento, não!
A - Bom...então embrulhe-me 250 gramas de nozes.
B - Não quer também alguns amendoins para o caminho?
A - Condescendo - levo dois.
B - Afinal, não se perdeu tudo...
A - É o que a agricultura tem de bom - aproveita-se tudo...

in PcM, Junho/83
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10 Agosto 2006

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skip words...
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09 Agosto 2006

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Wounds 3
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Caranguejola
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Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!


Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira...
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.


Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.
P'ra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito p'ra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar!...


Noite sempre p'lo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor!...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
P'lo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...


Se me doem os pés e não sei andar direito,
P'ra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde.
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...


De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...


Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará
P'ra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. C'o a breca! levem-me p'rá enfermaria -
Isto é: p'ra um quarto particular que o meu pai pagará.


Justo. Um quarto de hospital - higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda...
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;
E depois estar maluquinho em Paris, fica bem, tem certo estilo...


Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras.
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.

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Mário de Sá-Carneiro
Paris, Novembro de 1915
(5 meses antes de se suicidar, aos 26 anos)
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08 Agosto 2006

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Até agora e fora o resto...
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Mortos
Líbano 900 - Israel 63
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É o que os números têm de bom: faz-se um post enorme com poucas palavras.
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07 Agosto 2006

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blanc et noir
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a pele nada revela, nada esconde. respira apenas por todos os poros do devir. há quantos anos as nossas peles roçam um destino que não sabíamos e nunca saberemos?
quando digo que contorno os teus lábios, são fragmentos de um texto que construo. os teus lábios ficarão inteiros como a minha pele em todos os naufrágios.
assim me reclamo e espero por nós.

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06 Agosto 2006

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The clown
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When pain erase colours from his body

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06 Agosto 2006

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Spending the nigth together...
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06 Agosto 2006

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Lembram-se deste cromo?
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Tinham começado, na Assembleia da República, os debates sobre o aborto em Portugal. E existiam lá mulheres fabulosas como Natália Correia que, depois da intervenção de João Morgado contra o mesmo (dizendo que o acto sexual só servia para a procriação), soltou a poesia e o sarcasmo, quase de imediato.
__
"O Acto Sexual É Para Fazer Filhos" - disse ele
_
Já que o coito
- diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o orgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

_
Um poema de Natália Correia
a João Morgado, deputado do CDS/PP
_
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E ainda, esta resposta da actriz Maria Carpinteiro numa entrevista ao Pão com Manteiga (Julho/1982)

PcM - Qual o político que mais a excita, como homem?
MC - O João Morgado deve ser uma coisa...! Eu nunca o vi ao pé, porque se um dia o vir ao pé...É só uma vez, mas vai ser lindo!
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06 Agosto 2006

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Pearl Jam - Black
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Rebeldia. Ingenuidade. Entrega. Pura sensualidade.
(Vedder really turns me on...)
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04 Agosto 2006

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félicitations
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04 Agosto 2006

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O poeta longe de tudo
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03 Agosto 2006

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Ser bibliófilo
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03 Agosto 2006

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