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31 Outubro 2006
Tactear o transitório. Ser fulguração. Sentir o esgar da revolta, da ironia, do espanto...
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diz que me amas muitas vezes, de todas as maneiras
não me acostumo mal, prometo
acostumo-me sempre bem
diz que me amas e os meus cabelos ficam mais brilhantes
rio com os olhos, sinto um formigueiro no estômago
e aquelas tremuras nas pernas
diz que me amas e ando de bicicleta
aprendo a desenhar e a cantar sem desafinar
bebo mais água e deixo de fumar
diz que me amas e brinco com os cachorros na rua
tenho paciência nos engarrafamentos
alimento-me bem e até como saladas
diz que me amas e os meus olhos ficam quase verdes
o meu corpo fica mais leve
e toda a gente achará que tenho mais cinco centímetros
diz que me amas e o meu sono melhora
o meu banho é mais demorado, não ligo às olheiras
e caminho sem tropeçar nas pedras da calçada
diz que me amas e não me esqueço das chaves dentro do carro
conduzo de vidros abertos a ouvir música alta dançando como uma louca
e não me importo que se riam de mim no sinal vermelho
diz que me amas e trabalho a dobrar
arrumo as gavetas, abro as janelas
e até admito flores em casa
diz que me amas e volto a usar perfume todos os dias
compro um baton mais brilhante, ponho brincos
e atrevo-me a um vestido estampado
diz que me amas e fico cheia de vontade de ir à praia
andar de pés descalços na areia
e imitar o teu jeito de nadar
diz que me amas e escuto os teus discos
nunca mais choro escondida debaixo dos lençóis
digo bom dia aos vizinhos e suspiro na fila do banco
diz que me amas muitas vezes, de todas as maneiras
não me acostumo mal, prometo
acostumo-me sempre bem
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(adaptado dum texto brasileiro, anónimo.)
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31 Outubro 2006
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Saudade: s. f., Vocábulo considerado sem equivalente noutras línguas e que exprime multiplicidade de sentimentos, sobretudo a melancolia causada pela lembrança do bem do qual se está privado. Pesar, mágoa causada pela ausência de alguém ou de objecto querido. Pesar, desgosto, tristura emanados de alguma recordação alegre ou magoada.
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28 Outubro 2006
não te esqueças de me visitar. traz-me as fotografias de Veneza e aquele poema que me escreveste quando o nosso amor ainda era o que de mais magnífico acontecera nas nossas vidas e no mundo.
havemos de nos sentar nas mesmas cadeiras como se fossem as mesmas manhãs de sábado. havemos de olhar os mesmos telhados, divagar sobre a eternidade dos gestos e jurar comovidamente que as nossas almas se tocaram de uma maneira única e inesquecível.
eu hei-de esconder-te a minha interminável solidão e tu hás-de demonstrar-me, muito inocentemente, nas tuas palavras tão cheias de vida e de juventude, como a morte nos descobre mesmo nos lugares mais altos.
gil t. sousa
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22 Outubro 2006
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parece
que há um só sulco deixado por um só corpo
que houve sonhos tumultuosos até ser dia
que alguém se agarrou a eles com medo
que ninguém fumou o último cigarro
que só houve uma boca a roçar a almofada
que ninguém disse boa noite à última carícia
que não é preciso arrumar a cama para mais do mesmo
parece
uma cama sózinha abandonada por alguém sózinho
e é
O meu primogénito.
É assim, de riso fácil e de temperamento muito à minha semelhança.
(Se ele estivesse aqui já estava a contrariar isto tudo...)
Bem, perante um giraço assim que mais acrescentar? Talvez só dizer que, felizmente para as meninas mais novitas que me visitam aqui, só tenho esta foto pequenina, recente....
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14 Outubro 2006
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Não existem palavras desta ou daquela pessoa. As palavras existem e mesmo as que não se escrevem ou dizem, pertencem a todos. Eu tenho pena de quem não as percebe dentro de si e dos que, mesmo percebendo, não as conseguem exteriorizar ou não querem.
Podem usar as minhas à vontade...porque, como já tentei explicar, não criei nenhuma palavra; existiam todas muito antes de mim. Limitei-me a temperá-las à minha maneira partindo da receita primordial.
Quando escrevo um texto de "autor" identifico-o, por exemplo, mais para não me chatear com "bocas" (eu nunca neguei a parte árabe do meu sangue...) porque, na verdade, acho que eles apenas foram o veículo de palavras que andavam por ali...tipo trovoada, cujos raios lhes foram acertar.
O mesmo para um criador duma corrente filosófica ou para um bailarino que invente um Pas de Deux, sózinho.
E o ADN? - perguntarão. Mas o ADN é precisamente isso; um encadeado de códigos pertença de todos, mas com nuances diferentes de um para outro, sabendo um da nuance do outro, mesmo que não perca tempo a pensar nisso.
Coisas tipo consciência colectiva.
(abençoadas palavras que parecem que dizem tudo...)
E poder-se-ia pensar: mas isso é desvirtualizar a genialidade.
Acho que, pelo contrário, é conferir-lhes um dom, nomeá-los predestinados, iluminados.
Não acredito na arte-com-ou-de-muito-trabalho-e-suor. E acho triste um "predestinado" começar a fazer arte p'rás encomendas. Aí passa a chamar-se comerciante.
Com todo o respeito por quem trabalha nas lotas de peixe.
Também pode passar a chamar-se bloguista.
Nem a propósito: acabo de ouvir, na televisão, o José Fanha dizer que Portugal é um país de poetas. Dava tudo para estar lá a perguntar-lhe onde não os há...
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12 Outubro 2006
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Não encontro palavras para te homenagear. Nem sei onde está um poema que fizeste um dia, em verso. «Tem de rimar» - dizias.
Ofereço-te um poema do Patxi Andion - Padre, duma canção de que não consigo encontrar registos aqui. (A tua paixão por Espanha, lembras-te?)
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P.S. em 30/10/2006: uma amiga conseguiu-me o tal poema do Patxi. Aqui vai, com algum atraso. Mas tu também nunca ligaste muito a estas coisas de prendas e datas. Era mais um reduto da mãe. Dar, para ti, não tinha dia. Era, sempre, um acudir a qualquer apelo.
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