Tactear o transitório. Ser fulguração. Sentir o esgar da revolta, da ironia, do espanto...
trabalhem, trabalhem no duro, esmifrem-se a trabalhar
trabalhem como uns mouros, matem-se a trabalhar
não sonhem
A electrónica sonhará por vós
Não leiam
O electroleitor lerá por vós
Não façam amor
O electrocoital fá-lo-á por vós
Piquem o ponto
Trabalhem, trabalhem afincadamente
esfalfem-se a trabalhar
trabalhem como uns mouros, matem-se a trabalhar
Não descansem
O trabalho descansa em vós
Jacques Prévert
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estou a comer uvas sem grainha e muito doces. é a primeira vez que como uvas, sem grainha, hoje. não é a primeira vez que penso em ti, hoje.
é curioso pensar em ti enquanto como uvas sem grainha, porque as como muito depressa e em ti penso muito devagar. como se tivesse medo de ser surpreendida por uma grainha no pensamento.
o duarte também está a comer uvas sem grainha e diz-me:
- é engraçado quando estas uvas rebentam na boca.
e, com a mão fechada, faz o gesto de a abrir muito depressa.
e eu digo:
- fazem plop.
ele pergunta, a rir:
- fazem blog?
os miúdos, hoje, percebem mais de net-linguagem do que de onomatopeias.
não deixei de comer uvas sem grainha nem de pensar em ti, enquanto falava com ele.
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28 Setembro 2006
não era isto que ia dizer.
quando alguém pensa como nós e disso faz uma obra sua, sobretudo num sítio de que se gosta e onde se vai sempre, sabe bem.
era só isto e já estava escrito há vários dias, sem saber se o publicaria. venceu o ego.
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27 Setembro 2006
Sugestões para as próximas operações:
- A democracia que cai do céu
- Carnificina para todos
- Marte ataca
- América selvagem
- Loucura no deserto
- Mad Max ( não cheguei a ver a Tina Turner )
- Bombas Cluster para um bronzeado perfeito ( o atestado da cobardia do mais forte sobre o mais fraco )
- Tá a bombar massivo
- O meu pai até se vai passar ( sugerido por JWC, perdão, JWB )
- Passe-vite
- Mercenários a soldo
- Quando chegar aos EUA sou um herói, se entretanto não ficar por lá, mas a minha vida era uma merda e o meu filho fica a achar que eu fui um herói. ( dada a extensão, sugerimos a sua utilização como sub-título )
- Bushmíldio
- Demência e obscurantismo
Luís Chaves
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27 Setembro 2006
todo cálculo es infinitesimal
todo hijo es pródigo
todo espírito es santo
todo pecado es original
toda hostia es sagrada
toda misa es negra
todo viernes es santo
toda noche es vieja
todo gobierno es totalitario
todo estado es de sitio
toda propriedad es privada
todo imperativo es legal
todo el mundo es el tercero
todo trabajo es alienado
todo servicio es militar
toda guerra es fria
toda sociedad es secreta
toda libertad es condicional
todo crimen es pasional
toda muerte es prematura
todo homicidio es múltiple
todo juicio es el final
toda corte es marcial
toda pena es la máxima
todo preso es político
todo instituto es correccional
todo animal es irracional
todo sexo es frágil
toda intencion es segunda
toda cuenta es corriente
toda obra es prima
todo océano es pacífico
todo abuso es de autoridad
toda familia es numerosa
todo efecto es colateral
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Sou a tua matéria,
a beata (demasiado acesa)
que nunca fumas,
o conceito de literatura
que carece de leitor,
os teus altos e baixos,
a tua amante didáctica,
o perigo da multiplicação
desmesurada,
a mais inteligente e cautelosa
de toda a ralé erótica
da cidade,
a mensageira secreta
das paixões espontâneas,
a simples pergunta da hora:
um mito imprescindível
se a vida é para ti
uma caixa de surpresas.
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tradução do castelhano de autora desconhecida
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- já te disse que não estou em condições de apreciar ruínas.- e se não inventasses o silêncio e respondesses às minhas pequenas provocações?
- dizer que se pode fazer tudo a qualquer altura é um delírio que já não alimento.
- mas nós nunca cruzámos caminhos. apenas pairámos sobre um deles mas não somos seres alados. somos vulgares. vivemos nas nossas casas e o quase pouco mais só chegou até onde quiseste.
- eu não sou vulgar, contudo a minha resposta vai ser vulgar. a motivação porque ajo assim, e pela qual me poderias condenar se eu o permitisse, é honesta. excita-te a minha doçura e fazes dela uma interpretação errada. a minha doçura é fria, nasce da beleza com que sinto o mundo, mas não procura carinho.
- excesso de ombros.
- não duvido que te seja fácil vadiar por palavras como uma espécie de médium que oferece o seu vazio a inquietações e a viagens mórbidas pelos reinos do espírito. mas o que tu queres ouvir é eu a dizer-te que falta o teu.
- não. o que vou dizer também vai ser vulgar. e honesto. o meu ombro já só pode cumprir promessas que outro ombro cumpra antes de mim. muito depois disso é que ele pode querer ser falta para alguém.
- entendo. até quando pensas mortificar-te, ou seja, divertir-te?
- sabia que entenderias. pode ser sempre até amanhã?
- até amanhã.
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23 Setembro 2006
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tenho duas datas para celebrar e não me apetece nada.da minha janela vê-se uma espécie muito rara de angústia e única de medo. chama-se eu mas diz-se nós, quando prende a vida a algo tão falível como a vida. não se vê mais nada. ouve-se um silêncio contra mim.
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o amor aconteceu um dia. sabes, não sabes? naquele dia, quando os corpos se prenderam nos mares dos suores, quando a tua mão me percorreu sem atrito, quando separaste, de repente, a tua cara da minha, e com o medo da surpresa disseste "amo-te". e ficaste sem te mover todo o tempo que eu te pedi. quando, quando... hoje ainda sabes, não sabes?
noutro dia desapareceste na tua forma de seres tu. sem saberes, mudaste de forma. não te quero mais seres em mim, disse eu. mas sabes que tudo o que eu dizia eram apenas palavras que voltavam para mim, não sabes? sabes que eu quero que sejas para sempre em mim, mais o segredo-que-vai-comigo-para-a-cova. sabes que adormeço a imaginar que amanhã, quem sabe, virás buscar-me e libertar-me do ódio e da paixão. sabes que estou a exagerar. sabes que quero almoçar contigo e falar do estado do tempo e dos nossos problemas de trabalho e saúde e daqueles sítios e coisas a que não fomos juntos. e saber que estaremos no olhar de cada um. e deslumbrar-me ao ver-te descair com coisas tipo "o teu fato clássico, lindo por sinal" (e outras...), para logo a seguir te recuperares, numa atrapalhação disfarçada de algo sumamente divertido, com "o raio das tuas olheiras". sabes que não era preciso dizer nada disto para saberes, não sabes?
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duas datas. princípio dum verão e fim doutro verão. não me apetece celebrar seja qual delas for e de que maneira for.
estou exausta de mim e de vocês. do calor do verão. quero sentir frio. quero ir à procura de calor só quando quiser. quero sair de nós todos.
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e tu ris. é triste o teu riso. está sempre como coro de fundo na tua voz de menino doce e depois rompre à desfilada sem que se espere. ninguém espera pela tua tristeza. ninguém lhe chama tristeza.
o sabor e saber das tuas palavras foram uma enxurrada no deserto da minha vida. sabes que foste o meu criador. sabes que uma parte de mim será sempre tua. deste-me as asas e uma visão extra que me levam à tua selva escorregadia. que me levam ao teu sotão dos monólogos, ao teu cabo das tormentas, ao calculismo no teu estar em muitas coisas. que me levam àquela tragédia que partilhamos, e descobriste, de querermos desesperadamente ser felizes sem termos um pingo de fé em que isso aconteça. que me levam aos teus ataques de pânico e aos lugares onde nunca estivémos. que me levam a ver-te prender o cabelo atrás da orelha. que me levam a ver-te beijar outras bocas e a rir para quem não sabe o que esconde o teu riso e se serve dele para iniciar desejos. e do teu pescoço. que me levam a todas as coisas que tu sabes que eu sei que és e tens e que são coisas de muitas palavras. que me fazem saber que o teu é um labirinto que segue percursos inventados, aparentemente, à toa. o que, já por si, daria para um tratado. que me fazem saber que eu sei. eu.
quero perder-te para sempre. para sempre, sabes? e nunca te encontro quando te quero perder. também sabes, não sabes?
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fecho os olhos e revisito-me. penso no que se passou e no que não se passou. de como são o mesmo.
eu não mereço não celebrar. para aquele que abracei e para aquele que nunca abracei todo o meu estender de braços será pequeno.
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12 Setembro 2006
Mas porque esta história - não sendo única, lembremos - é duma beleza sem fim e, ao mesmo tempo, duma atrocidade esmagadora, aqui fica o registo.
Para se aceder ao trailler do filme é necessário ser-se cliente da Globo, mas, mesmo que não se seja, há conteúdos interessantes, como o livro onde a história e a época dos acontecimentos estão resumidas.
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09 Setembro 2006
Liderado por Eddie Vedder, Pearl Jam é uma das maiores bandas do mundo, mas ainda age como se ensaiasse na garagem.
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Em muitos sentidos, os Pearl Jam estão para o rock dos anos 90 assim como os U2 para o rock dos anos 80. Os dois grupos têm cantores carismáticos, que abraçam causas sociais e fazem pregações políticas. Ambos, além disso, nasceram no circuito alternativo e explodiram para o grande público. E é aí que as histórias começam a divergir. Os U2 resolveram jogar o jogo do mercado. Os Pearl Jam, por sua vez, resolveram dizer não. Uma tornou-se a maior banda da actualidade. A outra manteve-se, por assim dizer, no "lado B" do rock.
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_O grupo surgiu em 1990, em Seatle, e muito do seu sucesso deve-se ao carisma do seu vocalista (também guitarrista e autor das letras), Eddie Vedder. No mundo do rock, ele provoca dois tipos de reacção: amor incondicional ou desprezo. Os fãs do cantor, hoje com 42 anos, admiram-lhe o estilo messiânico e adesão a projectos humanitários, embora ele faça questão de quase os manter desconhecidos. Os detractores acusam-no de forjar o papel de bonzinho para ganhar a simpatia - e principalmente o dinheiro - do público do rock, embora os Pearl Jam tivessem entrado em rota de colisão com a Ticketmaster, a maior empresa americana de venda de ingressos, para a forçar a vender os bilhetes dos seus concertos mais baratos. Entre os inimigos estão Anthony Kiedis, vocalista dos Red Hot Chili Peppers e Courtney Love, viúva de Kurt Cobain. Em 1994, durante a cerimónia em memória do marido, ela gritou: "Tu morreste, mas Eddie Vedder está vivo. Isso deixa-te feliz?". Entre os amigos estão Pete Townshend, guitarrista dos The Who, e Johnny Ramone, apesar das divergências políticas com este último. Sempre polémico, Eddie Vedder expôs, em palco, a posição da banda em relação ao aborto, escrevendo "pro choice" no braço ao som da música Porch e fez uma digressão pelos Estados Unidos, numa tentativa de boicotar o voto no presidente Bush, tendo sido, no entanto, muito criticado pelos media e por alguns fãs, por ter queimado, também em palco, uma máscara dele.
Eddie Vedder teve uma infância e adolescência perturbadoras. Filho de pais separados, foi sempre um adolescente recluso. A mãe tinha casado com um advogado que adoptou Eddie, ainda em criança, mas com quem este teve sempre dificuldades de relacionamento - embora desconhecesse que era seu padrasto. Depois do novo divórcio da mãe, Eddie teve um encontro com o pai biológico, que lhe foi apresentado como sendo amigo da família. Só quando este morreu, mais tarde, é que Eddie descobriria a sua verdadeira identidade, situação retratada na canção Alive.
É uma constante nas suas canções criar letras baseadas na vida real, como é o caso de Jeremy, que é a história de um menino que se suicidou na frente dos colegas da sua escola. "Eu conhecia-o, era um menino muito triste"-conta ele.
Dos seus concertos em Lisboa, nos dias 4 e 5 deste mês, se disse terem provado ser uma banda de alma e coração.
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07 Setembro 2006
Bom estado. MSN como novo; excelentes contactos. Winamp sem pimbalhadas. Três blogs já criados. 40 mailboxs. Internet Explorer e Firefox. Office com assistente. Notável lista de Favoritos. Com nicks femininos, masculinos e bi já criados. Vale a 1ª oferta. Motivo: mudar de vida.
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06 Setembro 2006
O veneno e o prazo de validade pouco têm a combinar.
Requiem é o toque do despertador ao crepúsculo.
A carpideira traz a bolsa lacrimal a tiracolo.
O necrólogo é o intérprete do carrasco.
O finado jamais volta a desafinar-se.
O extinto é finalmente distinto.
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Emílio Remelhe
- Vamos lá a ver uma coisa, Mário, um suspeito terrorista deve ser tratado como um suspeito terrorista, disso não tenhamos dúvidas.
E eu a pensar que um suspeito terrorista devia ser tratado como inocente até provas em contrário...
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06 Setembro 2006
Mário Crespo :
- Desde que esteja em território internacional, o país donde o avião é originário fica abrangido pelas leis do espaço internacional que ocupa, nomeadamente ao dever de ser inspeccionado...
Ângelo Correia :
- Não, não. Há aí uma confusão. Desde que não abra as portas, que apenas aterre e levante voo, não são abrangidos por...
Mário Crespo, interrompendo :
- Tem de obedecer às normas do direito aéreo internacional, e...
Ângelo Correia, não querendo ficar atrás, e interrompendo também :
- Bem, isso agora não interessa nada. Eu próprio, também não fiz grande questão em contar os pregos na estrada naquela tentativa de golpe da extrema-esquerda, nos idos anos 70...
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Desenrascanço is a Portuguese word used in common language in Portugal, to express an ability to solve a problem without the adequate tools or proper technique to do so and by use of sometimes imaginative resourcefulness when facing new situations. Achieved when resulting in a hypothetical good-enough solution. When that good solution escapes us we get a failure ( enrascanço - entanglement). Most Portuguese people strongly believe it to be one of the their most valued virtues and a living part of their culture.
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05 Setembro 2006
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A statue in tribute to Freddie Mercury on the Montreux bayside
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05 Setembro 2006
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Imperdível exposição de Matej Krén, intitulada Book Cell, no CAMJAP, até Janeiro de 2007, inserida nas comemorações dos 50 anos da Fundação Calouste Gulbenkian.
Retirem daqui a informação. Para o deslumbramento precisos serão o toque, o cheiro, o olhar , a alma aberta...
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Atenção: entrada não acessível a todas as mentes.
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03 Setembro 2006
e beijava o vento, ligeiramente
(completamente?)
e deixava, assim, que se construíssem sensações
e que se estabelecessem estados
sem os inabordáveis segredos
e as pegadas subcutâneas
das palavras por acontecer
antes da bizarra relação com o todo
( even flowing eighteen's? )
03 Setembro 2006
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Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos, nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com caracter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado
Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo
Um homem e uma mulher um cartaz denuncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou. A TV anuncia iminente a captura
A policia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e nas avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique
Antes que a invenção do amor se processe em cadeia
Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos
Chamem as tropas aquarteladas na província
Convoquem os reservistas, os bombeiros ,os elementos da defesa passiva
Todos. Decrete-se a lei marcial com todas as consequências
O perigo justifica-o. Um homem e uma mulher
conheceram-se, amaram-se perderam-se no labirinto da cidade
É indispensável encontrá-los, dominá-los, convencê-los
antes que seja tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas
Fechem as escolas
Sobretudo protejam as crianças da contaminação
Uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola é um pequeno triste
inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto. Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita, disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo. Vai ser internado
e submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros. É absolutamente vital
que o diagnóstico se faça no período primário da doença
E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
de que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade
Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio
das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas
...
É possível que cantem
mas defendam-se de entender a sua voz
Alguém que os escutou deixou cair as armas
e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
lhe lembravam a infância. Campos verdes floridos
Água simples correndo. A brisa das montanhas
Foi condenado à morte é evidente. É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execução
foi necessário amordaçá-lo e mesmo desprendia-se dele
um misterioso halo de uma felicidade incorrupta
...
Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos, horas de recolher
censura prévia à Imprensa, tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência
Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família testemunha
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua
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Daniel Filipe
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01 Setembro 2006