Tactear o transitório. Ser fulguração. Sentir o esgar da revolta, da ironia, do espanto...
esse poeta andaluz feito maldito
pela injustiça dos monstros.
Falo de Mário Henrique Leiria:
poeta de corpo inteiro desaparecido
do convívio dos vivos. Em 1980.
Não, não falo de Frederico Garcia Lorca:
herói-martir de uma guerra sem estandartes.
Falo de Mário Henrique Leiria:
bandeira negra hasteada há muito
pela nossa vergonha.
Não, não falo de Frederico Garcia Lorca:
grito calado pelos fuzis numa manhã incerta
e cruel. Com nevoeiro. Muito nevoeiro.
Falo de Mário Henrique Leiria
esse poeta português que morreu de fome
nas ruas de Lisboa. Em 1980.
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António Pires Vicente
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(uma página sobre MHL aqui, imperdível.)
E assim vou alinhavando outras coisas, deixando-as em stand by. O que já devia ter feito por alturas de outro post. Mas, se assim tivesse sido, não existiria, agora, este.
Querermos ser nós, publicados, é muito complicado. Tudo atravessa tudo. Pode-se mentir para dourar a verdade. As coisas aparecem antes de serem.
Eu tento não anular a memória duma delas. Correndo o risco (eu sei) de me anular nela.
Ela agora dorme como se fosse inverno e estivesse a hibernar. Já em novita era do contra.
Há que aproveitar o tempo livre como se ele não existisse.
Em Setembro, o filho mais novo entra no mundo mágico da escola dos grandes «aquilo é enorme, mamã!». Tendo já arrumado a pasta das fitas de finalista dos júniores, agora cheira, deliciado, todos os livros novos antes de lhe pesarem na mochila. E mal acredita quando ela lhe diz que vai passar a almoçar na escola, num pronto a comer igual áquele onde, várias vezes, almoçam juntos. E que, ainda por cima, tem ele de escolher o que quer, pagar e carregar com o tabuleiro. Coisinhas assim, fundamentais, que os miúdos invejam quando percebem que há um mundo onde ainda não pertencem: a da auto-suficiência dos adultos.
Continua bonito, doce - apesar duma força secreta muito grande e dum mundo ainda maior - e a querer ser médico para tirar a dor às pessoas e tratar a imortalidade por tu.
E, sem se aperceber, a dizer que não com um gesto de cabeça, quando vê as atrocidades das guerras na televisão.
Um anjo a quem a maldade, que lhe esteve tão próxima, não venceu.
Este mês, o filho mais velho comprou um quase-topo-de gama-quase-novo-para-estar-quase- sempre-na-garagem. Está quase-um-homem, portanto. E a achar que não se gasta um euro em nada que não valha a pena e que não seja bom. Trouxe essa capacidade de avaliação do pai. E o materialismo. A mãe, só tarde demais começou a fazer contas consigo. Era uma mãos largas. Quer as coisas valessem a pena ou não.
Continua fiel ao namoro que já dura há anos. Ansiedades e sonhos à parte, herdou isso dos dois.
Fica um executivo lindo quando veste o fato das reuniões de trabalho. De resto vai de calções trabalhar, se lhe apetecer. Continuando distinto, como sempre.
A faculdade é para se ir fazendo. Esta é aquela etapa inesquecível em que se pensa que a vida só começou agora e é muito grande.
Ela olha para ele e pensa que, apesar dos pesares que não se esquecem nem se desculpam, tem orgulho naquela sua obra acabada e amassada com mãos de vazio, com força de contra tudo e todos e olhos brilhantes de insónias e ternuras. Podia não ter sido assim, mas os resultados acabaram por compensar.
O calor agrava o estado em que se encontra. Quer que chegue a noite embora já saiba que a vai detestar como últimamente acontece. E que vai engolir poções de esquecimento. Afinal a magia acaba sempre por acontecer a quem sonha que a vida é um jogo de Playstation, cada vez mais elaborado, com que os entes celestiais ocupam a eternidade.
Falta pouco para dia 4 de Setembro. Ao fim de tantos anos decidiu ir a um concerto naqueles sítios gigantescos, sózinha, rodeada de gente anónima por todos os lados. E escapar sem morrer de aflição. Mas se morrer será como viveu: sem contradições, alone with her strong emotions and dazzed by careless words.
She'll be dressed in canvas ( Sheets of empty canvas, untouched sheets of clay...). E, já que as boquilhas jazem numa caixinha qualquer no sotão das coisas de décadas, vai levar uns binóculos old fashion. Para além daquela quelque chose que talvez acabe por achar que ainda tem, junta o útil ao agradável. Não há óculos com lentes suficientemente experientes para conseguirem ver se a idade não venceu Vedder. Ou para estender a mão e limpar-lhe a testa. Ou simplesmente para lhe agarrar nos cabelos e fazer-lhe um caracol com os dedos. Ou para lhe fazer lembrar alguém ou ela nesse alguém, o que é mais ou menos o mesmo.
Os encantamentos são coisas muito esquisitas. Sobretudo quando têm como objectos pessoas.
Ela vai tomar o seu Earl Grey. Isto passa-lhe já.
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20 Julho 2006
Turbulence
Does my car know me?
AM I MUSICALLY HOMELESS?
Can a ghost see me?
Who owns Paris?
How much resistance can truth take?
IS SEVEN A LOT?
Should I fly to India in a balloon?
Should I pay less attention to my feelings?
Can't I see a sign behind every corner?
Is it dangerous to dream of another life all the time?
HAVE I EVER BEEN COMPLETELY AWAKE?
Should I be put in chains?
D o e s a g h o s t d r i v e m y c a r a t n i g h t ?
Should I swallow less?
Am I somebody else in private?
Is resistance useless?
Should I visit alien galaxies in my spaceship?
Is everything drifting away?
IS EVERYTHING FLUID?
Would anybody look for me if I disappeared?
Am I abusing my powers?
Does being tired help to understand secret messages?
IS MY MIRROR ENOUGH CONTACT WITH THE OUTSIDE WORLD?
Should I crawl to my bed and stop producing things all the time?
Am I slowly losing my mind?
ARE PEOPLE FLOWERS?
Why is everything so far away?
... CAN EVERYTHING BE THOUGHT??...
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17 Julho 2006
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onde andas tu
que não te encontro em nenhuma palavra
não te sinto em rosto nenhum?
onde andas tu
que não te reconheço no toque que me toca
não te cheiro nos odores que me cercam
não te ouço bater em peito nenhum?
busco-te incessantemente desde que me lembro de ser
mas tu foges
arredio e fugaz
apareces numa esquina onde me lanças um sorriso que
arrependido
te lança de novo para longe de mim.
procurei-te em mil mares onde fui náufraga
escalei montanhas de onde me despenhei
persegui-te em caminhos de gelo inquebrável
esperei-te deitada no horizonte mais próximo
nos dias de descanso insondável
onde o sol se pôs vezes sem fim
e arranhei sempre essa cama
para a saber exacta
e agora aqui estou
mais de meia vida vivida, aqui estou
com a distância que as certezas põem no olhar
com o coração apertado para não parar
com a esperança a definhar
por todos os risos que já vi
não te reconhecendo em boca nenhuma
como se a vida tivesse criado um jogo para mim
e os deuses bailassem no Olimpo do meu coração
por isso te peço
encarecidamente
quando chegares
- porque eu sei que nesta vida não
mas noutra qualquer tu vais chegar -
faz do vento o piso dos teus pés
e do mar o som da tua voz
e sussurra-me ao ouvido
num grito contido
para que eu te ouça bem
diz logo, sem demoras
- sou eu. o homem da tua vida.
O circo estava à cunha, como de costume.
Foi então que o famoso lançador de facas teve uma birra e resolveu lançar colheres. Cravou-as, todas, no coração da sua partenaire.
Para castigo o dono do circo nunca mais o deixou comer sopa.
2.
O circo estava à cunha, como de costume.
Foi então que o famoso lançador de facas teve uma birra e resolveu lançar o faqueiro todo, com caixa e tudo. Foi muito aplaudido, especialmente pela partenaire que estava para casar e tinha o enxoval incompleto.
3.
O circo estava à cunha, como de costume.
Foi então que o famoso lançador de facas teve uma birra e resolveu arranjar mais espaço para trabalhar. Lançou as dez primeiras facas sobre a assistência, meticuloso e calculista.
Agora o circo estava cheio, embora não à cunha.
in
Pão com Manteiga
Fevereiro/83
17 Julho 2006
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
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Post Scriptum (assim, solenemente) : Eu não preciso que fales comigo. O que eu sempre precisei e nunca soubeste foi que me segurasses na mão e que me segredasses ao ouvido uma canção de ti, com pingos de saliva, até eu adormecer e sonhar que eras um rio a lavar-me a cabeça...
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Vou-lhe explicar uma coisa - o que é triste é morrermos da morte de um outro. Quer dizer: cada qual tem a sua própria morte, única e exclusiva como a vida. Esse é o momento final que nos está destinado. Mas, às vezes, uma outra morte, por engano, cruza connosco.
Assim é que é triste morrer.
Mia Couto - Vinte e zinco
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13 Julho 2006
As prostitutas de Berlim estão muito felizes com o facto de a Itália ter chegado à final do Mundial de 2006. E até gostaram que os «tifosi» tivessem deixado a equipa da casa pelo caminho.
Haki Simsek, proprietária do Artemis, o maior bordel alemão, diz: «Eu sei que não devia estar contente com a derrota da Alemanha, mas este foi o melhor resultado para o negócio».
Até ao momento, a mais velha profissão do mundo não ganhou tanto com o Mundial de 2006 como previa.
Svetlana, trabalhadora da Artemis, diz que até agora o Mundial tem sido um «flop» porque «os fãs festejam com cerveja em vez de sexo».
Marlene, uma polaca de 29 anos, lembra que os italianos salvaram o dia. «Após uma vitória eles querem celebrar com sexo, após uma derrota precisam de conforto».
A dona da casa acrescenta: «Os italianos adoram vir aqui. São grandes clientes e estamos muito felizes por estarem na final».
in Portugal Diário
" To me, it seems a dreadful indignity to have a soul controlled by geography "
George Santayana
" Patriotism is the last refuge of the scoundrels "
Samuel Johnson
" You'll never have a quiet world till you knock the patriotism out of the human race "
Bernard Shaw
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08 Julho 2006
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Anaïs Nin - Delta de Vénus
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05 Julho 2006
Vou fazer um blog. Tenho alguma matéria pronta a servir mas falta-me um título (eu tive sempre esta mania de folhear revistas e etc de trás prá frente) .
Não será um diário nem uma coisa demasiado arrumadinha. Mais tipo linhas de idéias, análises, ensaios...coisas que sei que estão cá dentro encaixotadas à espera da mudança.
Linhas com o máximo de cruzamentos possíveis entre o deslumbramento e a apatia.
Linhas de como olhei quem me olhou. De quem foi e de quem ficou. De quem só toquei. E de quem apertei por dentro. Muito.
Linhas de dias amorfos, frustrados. De noites ansiadas. De fulgurações que me cegaram. Definitivamente.
Linhas de músicas que me incendeiam. De quadros que me paralizam.
Linhas de pseudo-força e pseudo-fragilidade. De ombros. De ausências. De distâncias absolutas.
Do "pode ser que...".
Do mar que me chama.
Linhas de histórias à minha volta ou longe de mim. Que conheci. Que me doeram. Ou comoveram.
Do Mundo. Do homem tão mal dentro dele. Do dia de hoje com tanta gente a correr.
Dos mistérios da estupidez.
Linhas de como a vida e o sonho são a mesma coisa, uma semi-qualquer-coisa.
Linhas sobre a verdade ser uma invenção.
E a liberdade.
Linhas sobre o amor. Se existe. Ou se só existem as pessoas. Figurantes.
Do ódio. Como um "been".
De construções descontinuadas.
Linhas de mim.
Como se, finalmente, me tivesse encontrado.
O que não é, de todo, verdade.
PS: Não pode ser nada tipo "Gostas pouco, gostas." ou "Às quatro da matina é que são elas." ou "Quem não tiver uma fantasia erótico-aberrante não se venha depois cá queixar." nem mesmo metáforas cinematográficas tipo "Danças com ursos." ou lá que era...
(Incompleto...porque sim. Sem data...pelo mesmo motivo.)
Ricardo, outra vez...
Chorei ao vê-lo falar lá "pra cima".
Afinal, quem é que sabia quem devia estar lá,
quem era?
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Oxalá este post possa ser sucedido por outro, ainda melhor, no próximo jogo. Se gosto de futebol? Não particularmente, assim como não sou grande consumidora de desporto em geral. Mas são os desportistas de Portugal que me fazem sentir que, afinal, há qualquer coisa em mim deste país.
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01 Julho 2006
(brincadeiras à parte, é um blog muito bom. o dele, claro.)
Concurso "Eu também tenho um Blog!"
Até ao final do primeiro semestre do ano de 2006 vou preparar neste blog links para blogs que prezo e considero. Se quiser fazer parte desta lista, aliste-se "nesta marinha".
Critério: serem bons
Subornos: altos (tomo como preferenciais subornos, os de cariz sexual)
Preferências: blogs onde seja dado destaque a poesia e autores
Blogs com Textos de Autor: só os muitíssimo bons serão tidos em conta
Júri: zulu
Prémio: figurar neste blog.
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01 Julho 2006