Tactear o transitório. Ser fulguração. Sentir o esgar da revolta, da ironia, do espanto...

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A noite
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É feita de quantos absurdos?

Todos os dias nasce o sol, para que diurnos acordem e nocturnos descansem. Todas as noites há um noctívago fixando o olhar no céu, transformado em estrela: morta, ainda assim acesa, por anos luz.

Quando o céu destapa a boca da noite, escorre o escuro: é hora de dormir; para alguns, porque para outros, é só o começo de alguma coisa sem nome, negra, cheia de relâmpagos. Flashes de um dia turvo, incógnito; entre sonhos nómadas, feios e bonitos, acertos, erros, quase meios, entradas e saídas.

Para quem a noite é só uma criança a mais no berçário sem aurora, a vida é composta de bocejos, grandes clarões, fascínios imperdoáveis, glamour anónimo, inspiração.

Mas as horas contêm grandes pausas, largas, fecundas. Nesses instantes um pouco de tudo acontece: o veneno delicia, a bondade mata, a loucura cura, a água dá sede, eternas paixões arrefecem, óperas são compostas, Diabo e Deus beijam-se, a lua encontra o sol. E outros possíveis impossíveis.

Na hora sem hora em que o tempo não corre no relógio que desperta a dor, a noite pára.
Resta a certeza de que o absurdo chegou.

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10 Dezembro 2005

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One day without another one
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Queria estar bem próxima do mar para perceber as brumas, metaforizadas no silêncio enevoado da minha casa, em dias nos quais nada nem ninguém perturbam a calma contundente de não se fazer nada, enquanto o mundo lá fora acontece singular.

Singular é a maneira como percebo que desaconteço, ferida na tentativa vã de sobreviver às certezas transitórias de uma vida-armadilha, entre lânguidos sussurros, e a sensação aborrecida de querer ser rocha, oceano; desde os píncaros dum zénite azulado até o fim dum horizonte nadir.

Entre um querer e outro eu escondo-me, eu pairo, eu recrio-me. Improviso divertimentos, pequenas artes, folguedos. Estouro da vontade que eu sempre quis. A pressa compelida de calma, cama, ócio dos apaixonados.

Sede: hemorrogia do avesso. Tantas maneiras de se criarem estes contrários iguais. No fundo não me importa se é sede o que sinto, derramo sempre.

Eu só queria ter até o fim dos meus dias esta inspirada fé em nadas, fazer cócegas na apatia e ser feliz.

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10 Dezembro 2005

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Deixa lá, querida
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Um post que me tocou, do blog " Vamos lixar tudo". Um post do qual alguém que conheço diria "Merdas que me dizem algo..."
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“Estou a aprender a estar comigo só”, dizia-me ela. E eu que a queria e ela não queria crer em tal desejo. Senti-me subitamente expulso do mundo dela, ao mesmo tempo que ela me continuava a consentir que mergulhasse os meus olhos nos olhos dela.
“Por vezes é preciso sonhar e amar em voz alta”, resmunguei eu. Não disse ai, nem ui.
Continuámos a jantar e no fim acendemos os inevitáveis cigarros pós-refeição.
Insisti. Acariciei-lhe a face. E ela deixou. Os dedos descaíram um pouco até ao pescoço. E ela deixou-os chegarem até aos seios.
Talvez com a excitação daqueles mamilos duros, ela agarrou-me, beijou-me e acariciou-me os cabelos.
Já deitados no sofá, em frente à televisão que passava um filme que não víamos, as carícias subiram de tom. Amámo-nos no chão como dois adolescentes, inocentes e inconscientes.
Deixa que continue assim, deixa lá, querida.
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31 Julho 2005

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Olhares no Fundo da Pele
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-Nunca mais caminhámos pelas ruas, nunca mais nos sentámos a olhar o azul do céu. Cansaço, indiferença?
-Apenas desejo que não te sintas presa.
-Eu quero sentir-me presa, conscientemente presa. Cair contigo, Leo.
-Umas vezes queres, outras vezes procuras a luz.
-Pensas então que eu...que perdemos a luz?
-Caminhávamos pelas ruas e o tempo não contava. Ainda te vejo, ainda te sinto transparente. Mas chegámos demasiado cedo à vida do outro.
-Tu é que falas em acabar, que tudo acaba, amor efémero e não sei que mais...
-Precisamos de novas ressonâncias, de ouvir cada um a sua música.
-Eu não preciso, Bach está bem.
-Queres dizer que ainda não precisas. Um dia destes farás amor comigo a pensar noutro.
-Um dia em que estejas a pensar noutra?
-Ou noutra coisa. No vazio.
-Não estás sempre? Essas figuras que tens na cabeça, esses palcos que tu pisas...
-O começo da tua libertação. A morte do casamento, Ema.
-Que já morreu para ti.
-Começou a morrer.
-Quando?
-No primeiro dia. O teu é imutável?
-Está de boa saúde, cheio de contradições mas...
-Vês? -Cheio de contradições, infidelidades, mas o desejo...
-O desejo? Sabemos onde tocar, sabemos quando o outro deseja, quando o outro se abre. A isso eu chamo hábito, conforto, um conforto -que pouco a pouco se tornou maduro. Como tu me desprezarias se eu te fosse fiel! Leal, sou leal.
-Dás-me vontade de rir.
-Ri. Gosto de te ver rir assim, com o copo na mão, a olhar o mundo com o copo na mão.
-O mundo, o mundo...Só devia ser olhado, só merece ser olhado com o olho do cu. Prefiro olhar para ti.
-Para mim? Estou feia.
-Chegou o momento de te conheceres, de te possuíres.
-Tu é que te perdeste. Às vezes olho-te e não te reconheço.
-Eu sei. Eu próprio me perco nos meus desertos. Jogo a mão, tenho a boca seca e é uma miragem. Ainda não encontrei o meu kibbutz.
-Tocas o que a mão não alcança.
-Alcanço-te ainda.
-Não gosto do ainda.
-Queres que me apodere do futuro, do que não existe?
-Eu não existo?
-Existes mas não tens olhos, não vês que estou a cair, a deslizar. Não vês o medo que eu tenho de ser tão incerto e deslizante e falso como tudo o resto. O amor é sempre uma forma de destruição.
-Quando começámos dizias que era uma forma de construção...
-Sabes qual é a diferença?
-Sei que me queres perder.
-Não se ama menos quem está ausente, quem se perdeu.
-Palavras. Tão vazias como o azul do céu, um buraco. Mas eu estou aqui, ainda estou aqui.
-Ainda, estamos ainda ligados um ao outro mas já não temos nada a construir.
-Eu tenho. Ajudas-me a despir o vestido?
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in Pátria Sensível : Romance
Casimiro de Brito

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13 Julho 2005

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Rascunho de uma vida
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A vida é como um pequeno saco de pistácios. Plástico que esconde segredos contados um por um com a certeza de que serão tantos como os que se pensam. Cada um salgado. Cada um com uma casca que engana a face que se esconde. Há sempre um que se apresenta nu nas mãos de quem o cobiça. Outro fecha-se de tal maneira que é preciso estragar as unhas para trincar o prazer. Os restantes são meros pistácios iguais a todos os que aguardam noutros tantos sacos. Mas todos com um destino. Há sempre um destino. Para todos. No final há que limpar o suor. Beber um pouco de água ou cerveja. Ao gosto de cada um. E no final suspirar.

A vida é estranha. Parece que há um prazer em saber que nos pertence. Que por vezes vem e vai. Há momentos em que se apregoa por dias melhores. Que os que se vivem acabem num suspiro. Como se o último pistácio fosse o que guarda um duelo entre a vontade e a paciência. Há alturas em que os dias são passados a praguejar. Mas há os que olham o céu e simplesmente acreditam. Há os que se amam. Os que se odeiam. Os que dão a vida ou tiram vida. E há os que nos morrem. Ou os que nos escolhem para morrer. E tudo fica para trás. Escondido e sem sentido. Todos choram, como se a cidade parasse. Como se o mundo se afundasse. Como se esse fosse o último de todos. Mas os aviões continuam a brincar no céu. Os carros a rosnar na estrada. Miúdos a gozar com as rugas que um dia vão ter. Até que um dia são eles.


E o tempo continua. Com vozes aqui e ali. Ninguém se cala. Chora-se. Até que seque a última lágrima. E, da memória do último de todos, fica apenas uma pedra com o nome que é e sem a vida que teve. E sonha-se em ser o outro. Os outros. Para viver o que ainda lhes está destinado. Vive-se a sonhar. Morre-se como se de um sonho ensonado se tratasse a vida.
«Às vezes julgo ver nos meus olhos a promessa de outros seres que eu podia ter sido, se a vida tivesse sido outra. Mas dessa fabulosa descoberta só me vem o terror e a mágoa de me sentir sem forma, vaga e incerta como a água.» escreve Sophia de Mello Breyner Andresen, na década de 40, num papel que passa a poesia, uma linha que esconde o desejo. Maldito por vezes. Porque a vida nasce assim, sem sentido. E quando o ganha, deseja-se que perca. E que se regresse à infância. Que o amor seja tão grande como os sonhos dos pequenos. De mundos que se criam do tamanho do Universo. Tão grandes. E é a vida que a par e passo abre caminhos traiçoeiros, amenos, ventosos e tempestuosos, calmos e brandos. Parece que cada um é feito à medida de todos. E de ninguém. Como o tempo de que todos falam quando nada há a dizer.

Cumprimenta-se a vida. Despedem-se os amantes. Como escreveu Li Shang-yin, algures num recanto onde a chuva alimenta a Primavera, «São tão difíceis os encontros, mas mais difícil é a separação». No século IX, o poeta que viveu durante a dinastia Tang, escreveu que «Um punhado de amor é um punhado de cinzas». Quando acaba, realmente, pode ser a coisa mais triste do mundo, canta-se em brasileiro. Mas sem sotaque, porque esta é bem capaz de ser uma verdade universal.

E ser-se quem se é será sempre assim. Para nascer, viver, amar e morrer. Chora-se. A vida é uma loucura consciente. Uma viagem sem regresso. Quando o fim nos escolhe não há retorno. E somos as cinzas. Como o amor que tivemos por ela. Mesmo que por um dia. Ou em toda a vida.
Nascemos sem a consciência do que nos espera. Morremos da mesma maneira. Pelo meio, na verdade, nada nos espera. O fogo que nos acenderam cedo tem um fim. Mas nunca um sentido. Esse procura-se todos os dias. E espera-se. Sempre.

«Acendi uma fogueira nas minhas noites de lua para chamar os hóspedes como fazem as prostitutas à beira de certas estradas, mas ninguém parou para ver. E a minha fogueira apagou-se» escreve Alda Merini, poetisa italiana, depois de anos passados em paredes de loucos, sobre a espera. Loucura. Amor.«Quando nos amávamos davam-nos choques eléctricos porque, diziam, um louco não pode amar ninguém».
Reside a esperança de uma ressurreição. Que os males se apaguem. Apesar do amor não se circunscrever à normalidade. É vida quando corre nas veias de quem ama. Seja são ou pérfido. «A doença também tem um sentido, uma desmesura, um passo, a doença também é matriz». Vive-se entre a dor e o sorriso. E a incerteza constante. Como se a felicidade fosse ouro no final de um arco-íris. Como se os males se escondessem por debaixo de árvores de solidão, árvores de luto. E chora-se. Muito. Quando tudo chega ao fim.

A vida, na verdade, é como um pequeno saco de pistácios. Há uns tantos que nos dão prazer. Outros alguma luta. Aqueles em que insistir significa a nossa degradação. Mesmo que sejam unhas, quando somos nós, é a alma que se estraga. Há os podres. E os que sobram. Seja um saco ou não, nunca irá fazer sentido. Mesmo tirando a casca, do princípio ao fim, é apenas uma viagem sem memória.

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01 Maio 2005

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Equívoco - Ex-citação 2
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Toquei à campainha (...) e abriu-me a porta
alguém que não tinha nascido para abrir portas...
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in Diário de Andrés Fava - Júlio Cortázar
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21 Março 2005

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Recado post umo
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Conheciam-se por se verem quase todos os dias como se vêm quase todos os dias as pessoas duma vila pequena como era aquela. Um dia ele atreveu-se, num bailarico qualquer. Docemente, sem aquele gesto grosseiro de cabeça, feito das laterais, para as filas de cadeiras onde as raparigas se faziam muitas vezes acompanhar pelas mães "Queres dançar?". Não, ele foi pedindo licença às pessoas até estar à frente dela "Posso falar contigo?". Ela não disse nada. Levantou-se e encaminhou-se para a pista de dança. De repente, ela que nunca tinha querido dançar em bailaricos, quis falar com ele a dançar.
"Sou o Quim Zé, como deves saber, e quero convidar-te para saíres comigo no próximo domingo à tarde". Sair domingo à tarde, naquele tempo, era passsear pela avenida da vila, depois do almoço, horas contadas a partir de casa, voltar muito antes de cair a noite e sem angústias porque as conversas eram entendidas em cada segundo de silêncio, quebrado apenas pelo coro de folhas em fundo, e porque tudo podia ser repetido em qualquer altura como se se vivesse na mesma casa.
O Quim Zé tinha vinte anos, ela dezoito.
O Quim Zé disse a uma vizinha "É com ela que quero casar". Ela dizia às amigas que ele era lindo, com aqueles cabelos loiros e olhos tão verdes e tão líquidos...mas que não era dele que ela gostava.
Semanas depois ele deu entrada num hospital onde, curiosamente, tinham descoberto ter estado os dois quando eram crianças, sem saberem um do outro nessa altura. Nada de grave, era coisa para poucos dias, mas perguntou-lhe se lhe podia escrever. Que sim, porque não?, respondeu ela tão naturalmente como conseguiu, posto que continuava deslumbrada por aqueles olhos verdes e por tanta atenção. Não era amor, mas havia qualquer coisa que lhe tolhia a espontaniedade e às vezes a alegria, quando passeava com ele avenida abaixo, avenida acima. Sem sequer nunca terem dado a mão nem terem falado em namoro. Naquela altura as vizinhas, os amigos ou os familiares serviam como fiéis depositários das esperanças de cada um.
Ele escreveu-lhe. Ela não respondeu.
Quando saíu do hospital ele começou um namoro com uma rapariga duma terra vizinha, que nunca se soube quem era. O que se soube foi que casaram logo de seguida e que, algum tempo depois, ele morreu num desastre de automóvel, embatendo violentamente num contentor de lixo e num poste eléctrico, numa curva estupidamente fácil.
Ela ficou triste. Teve pena de saber aqueles olhos verdes fechados para sempre. Mas foi só. Estava imbecilmente obcecada por alguém de quem nem reteve o nome, nem com quem alguma vez sequer falou e que nunca lhe deu atenção alguma. Apenas por o ver passar na rua.
Ficou triste e nunca conseguiu saber porque lhe tinha tocado o líquido daqueles olhos verdes. Na verdade nunca sequer se esforçou muito. O outro continuava a passar frente à janela dela. E o tempo a passar com ele e tudo o resto...
Mas ficou toda a vida com um aperto no peito de cada vez que se lembrava do que, mais tarde, a vizinha lhe disse, com ar sério, de lamento e algo reprovador "Se tu tivesses querido casar com ele...". Poderia o Quim Zé ainda estar vivo, queria ela dizer.
A vizinha não sabia que o destino dela seria chorar os vivos. E muito.
E apenas sorrir, agradecida e ternamente, para todos os mortos da sua vida.

Quim Zé, ela pediu-me para te dar um recado."Diz-lhe até um dia. E que a avenida continua igual, clara e limpa, como se fosse um cemitério de coisas bonitas."
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19 Março 2005

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O que ando a ler - Ex-citação 1
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POEMA DE AMOR

1.
Tu és a minha aranha favorita

2.
Não sabem quanto eu gosto
de me sentir em palpos de aranha.


outro

POEMA DE AMOR

Esta noite sonhei oferecer-te o anel de saturno
e quase ia morrendo com o receio de que não
te coubesse no dedo

e ainda

CARTA DE AMOR

Um dia destes
vou-te matar
Uma manhã qualquer em que estejas (como de costume)
a medir o tesão das flores
ali no Jardim de S. Lázaro
um tiro de pistola e...
Não te vou dar tempo sequer de me fixares o rosto
Podes invocar Safo, Cavafy ou S. João da Cruz
todos os poetas celestiais
que ninguém te virá acudir
Comprometidos definitivamente os teus planos de eternidade
Adeus pois mares de Setembro e dunas de Fão
Um dia destes vou-te matar...
Uma certeira bala de pólen
mesmo sobre o coração

e

o que considero o mais belo poema de amor feito a Portugal


PORTUGAL

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir
como se tivesse oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater
os infiéis ao norte de África
só porque não podia combater a doença
que lhe atacava os orgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo mentira,
que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer
que nos espera um futuro de rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos
a ver se contraía a febre do Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso
sem lograr encontrar uma pétala que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito
e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce
que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros
para eu poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete,
Salazar estava no poder, nada de ressentimentos
O meu irmão esteve na guerra,
tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre, nada de ressentimentos
Portugal
depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas
a nado na piscina municipal de Braga
ia agora propôr-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta
à procura do olho que Camões lá deixou
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca
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In O Poeta Nu - Jorge de Sousa Braga
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15 Março 2005

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Algemas
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"A vida são portas condenadas" - escreveu alguém (e que, aqui, arrumo, adapto e acrescento)

São portas que passamos.
E pensamos que ao abri-las descobrimos o mundo e arrumamos o caos interno.
Depois percebemos que elas se fecham uma a uma. Nas nossas costas. Na nossa cara.
Com uma força esmagadora que nos deixa de braços caídos a perguntar

Porquê?

São portas condenadas.
Primeiro fecha-se a da infância. Dos risos ao sol, das tardes a brincar, dos livros coloridos, dos colos, do beijo antes de adormecer.
Depois crescemos e alguém nos diz: tu és capaz, tu és capaz...

E ficamos por nossa conta.

A partir daqui tudo se estreita.
Percebemos que viver é apenas um precário equilíbrio. Uma travessia solitária. Que nos há-de levar a um lado qualquer que é sempre do outro lado.
Onde está tudo aquilo que nos convencem que queremos.
Que escolhemos como objectivo para alcançar uma coisa qualquer a que gostamos de chamar

Felicidade.
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Para além disto gostava de dizer que

Às vezes e através de ti, convenço-me que afinal a vida não são só portas condenadas.
Que através de ti alcanço momentos tão
Gratificantes
Deslumbrantes
Partilhados
Absolutos
que é como se todas as portas do mundo se abrissem.

Mas não posso.

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04 Março 2005

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O que gosto, o que me apaixona
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- Os meus filhos ( para o que vim e para onde vou; a minha eternidade )
- Música ( volume máximo )
- Literatura ( biografias, ensaio e poesia )
- Escultura ( os renascentistas )
- Pintura ( os impressionistas )
- Mar ( revolto )
- Mitologia
- Política ( no jogo e nas causas )
- A noite ( escura, densa, cúmplice )
- Filosofia ( pelo recriar da criação: o pensamento )
- O sonho ( Il vaux mieux rêver sa vie que la vivre, encore que la vivre se soit encore la rêver )
- A memória de tudo
- Adormecer ( sentindo )
- O cheiro dos livros
- Cinema
- Humor
- Missionários ( os heróis que me restam )
- E eu, num lugar incerto ( num vórtice ou na ansiada solidão )
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22 Fevereiro 2005

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Reflectir ( ainda é preciso?)
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Tinha de ser. Eu tinha de começar isto logo em altura de reflexão eleitoral (seja lá isso o que for...), o que é o mesmo que dizer que, se não começo com sangue, pelo menos começo com espuma nos lábios...com a espuma de revolta daquela canção do Sérgio Godinho de quando se era menos marionete... " Quando o pão que comes sabe a merda, o que faz falta?..."
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19 Fevereiro 2005

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If you only want it...
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As coisas podiam começar hoje, aqui, com o perfume das palavras.
Depois podia vir a música delas.
Depois podias vir tu.
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19 Fevereiro 2005

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Também tenho
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Na vida todos têm uma paixão.
Livros. Estantes deles que traçam relãmpagos de extâses na alma dos seus apaixonados.

Mar. Sobretudo com luar. Há uma verdadeira seita de apaixonados pelo mar. Que se deixam docemente tragar por ele.

Flores. Nas jarras, no campo, em vasos que enfeitam a vida de paixão perfumada.

Colecções. De selos, moedas, isqueiros, ferraris. Confesso ter tido sempre uma disfarçada inveja dos apaixonados por colecções.

Música. Ah, deixar-se alguém levar pela paixão que a lira desperta!

Quadros. Há quem tenha uma paixão por um quadro ao ponto de firmar por escrito ser seu último desejo querer levá-lo consigo no caixão. Eternamente juntos. Se isto não é paixão...

No meu caso é um homem.
Acontece.
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19 Fevereiro 2005

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Até parece que não tenho mais nada que me rale
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Estes repentes aparecem-me assim. Ou sou eu que apareço a eles. O que é mais ou menos o mesmo mas ao contrário, sem eu perceber quem mais lucra, ludicamente, com o facto de acontecer uma ou outra coisa. Parecendo que não, esta linha de pensamento (?) aplica-se a quase tudo. Lá está. O Quase. Mas isso fica para outra altura. E porque é que tão inusitado fenómeno me aconteceu agora? É que isto acarreta uma carga de disciplina que eu...sei lá, só ter escrito esta palavra me arrepiou.Talvez queira encontrar um bocado mais de fé em mim. Não da outra fé. Essa não existe. Corrigindo: existe, mas tem outro nome. Ou o nome é que a tem a ela.
Estou cansada. Há pequenas coisas que cansam como se fossem grandes. Nem eu aguentava tanto se não fosse a esfera absíntica alojada no hemisfério direito do meu cérebro (sabem...aquela parte do cérebro onde não se alojam as funcões nobres do dito cujo?...( um parêntesis dentro do outro para pensar nas analogias cérebro-política, esquerda-direita...vocês pensam que estas coisas, tipo palavras, nascem assim sem mais nem menos, sem um alvo?)
E agora, onde é que eu ia? Ah, pois! Estava cansada. E não posso deixar de dizer que assim continuo. Sob risco de me apanharem em contradição logo no primeiro dia.
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19 Fevereiro 2005

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