Tactear o transitório. Ser fulguração. Sentir o esgar da revolta, da ironia, do espanto...

.
.
.
.
.
.
.
A noite
.
.

_

É feita de quantos absurdos?

Todos os dias nasce o sol, para que diurnos acordem e nocturnos descansem. Todas as noites há um noctívago fixando o olhar no céu, transformado em estrela: morta, ainda assim acesa, por anos luz.

Quando o céu destapa a boca da noite, escorre o escuro: é hora de dormir; para alguns, porque para outros, é só o começo de alguma coisa sem nome, negra, cheia de relâmpagos. Flashes de um dia turvo, incógnito; entre sonhos nómadas, feios e bonitos, acertos, erros, quase meios, entradas e saídas.

Para quem a noite é só uma criança a mais no berçário sem aurora, a vida é composta de bocejos, grandes clarões, fascínios imperdoáveis, glamour anónimo, inspiração.

Mas as horas contêm grandes pausas, largas, fecundas. Nesses instantes um pouco de tudo acontece: o veneno delicia, a bondade mata, a loucura cura, a água dá sede, eternas paixões arrefecem, óperas são compostas, Diabo e Deus beijam-se, a lua encontra o sol. E outros possíveis impossíveis.

Na hora sem hora em que o tempo não corre no relógio que desperta a dor, a noite pára.
Resta a certeza de que o absurdo chegou.

_

10 Dezembro 2005

.
.
.
.
.
.
.
One day without another one
.
.

.

Queria estar bem próxima do mar para perceber as brumas, metaforizadas no silêncio enevoado da minha casa, em dias nos quais nada nem ninguém perturbam a calma contundente de não se fazer nada, enquanto o mundo lá fora acontece singular.

Singular é a maneira como percebo que desaconteço, ferida na tentativa vã de sobreviver às certezas transitórias de uma vida-armadilha, entre lânguidos sussurros, e a sensação aborrecida de querer ser rocha, oceano; desde os píncaros dum zénite azulado até o fim dum horizonte nadir.

Entre um querer e outro eu escondo-me, eu pairo, eu recrio-me. Improviso divertimentos, pequenas artes, folguedos. Estouro da vontade que eu sempre quis. A pressa compelida de calma, cama, ócio dos apaixonados.

Sede: hemorrogia do avesso. Tantas maneiras de se criarem estes contrários iguais. No fundo não me importa se é sede o que sinto, derramo sempre.

Eu só queria ter até o fim dos meus dias esta inspirada fé em nadas, fazer cócegas na apatia e ser feliz.

_

10 Dezembro 2005

My Blog List