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Wounds 2
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Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
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Eugénio de Andrade
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16 Julho 2006
2 comentários:
um dos mais belos poemas de eugénio de andrade. Como ele sabe explicar o silêncio a dois, que depois se transforma num ruido solitário onde ecoa apenas a palavra adeus!
Gosto do teu blog, mas acho que já te o tinha dito, agora gostaria que visitasses o meu, não precisas de bater a porta é só entrares, sentares-te e conversar.
Juntemos os nossos silencios feitos de adeus.
um beijo da granny
sei este poema de cor desde que leio poesia, desde quase-sempre. como se soubesse das vezes que tinha de o dizer...ou da força delas.
take care, granny, i´m with you for anything you need.
kisses and things for you :)
(tradução à letra, teatcher)
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