Tactear o transitório. Ser fulguração. Sentir o esgar da revolta, da ironia, do espanto...

.
.
.
.
.
.
.
Mantenha-se a pureza das coisas
.
.
O texto é grande e não está disponível on-line. É também um texto muito divertido, que agora reencontrei e de que guardava uma vaga recordação . É provavelmente das poucas coisas genuinamente divertidas que de algum modo envolve o surf e os surfistas, escritas em português de Portugal. Chama-se “Os surfistas inteligentes”, apesar de ser sobre as namoradas inteligentes dos surfistas, e está nos “Meus Problemas” do MEC, dos longínquos tempos em que o “Expresso” valia a pena. Ficam aqui alguns excertos que, aliás, reflectem o essencial sobre o tema .
_
(...) embora me custe dizê-lo, os homens estão cada vez mais estúpidos. Todos os homens. Os feios e os bonitos. Bem sei que o sexo forte foi sempre fraco em inteligência, mas tanto assim também não. A prova de que as mulheres são mais inteligentes está no desprezo que votam aos desportos em geral, e aos desportos menos pensativos em particular. Qualquer rapariga com dois dedos de cabeça prefere ter um surfista a ter de fazer surf.
No entanto, acho que as raparigas portuguesas exigem de mais dos seus rapazes. Porque é que um surfista há-de ler Proust? Alguém imagina Proust a fazer surf? O surfista é um género e não faz sentido misturar os géneros. Tem de se manter na sua pureza e, se for caso disso, na sua estupidez natural. Se não, qualquer dia temos surfistas barbudos, sentados na praia à espera de ondas, a rever os seus artigos para o “JL” sobre a vocação marítima de Portugal. Para as raparigas afinal, é ou não é bom saber que os surfistas estão lá, intocados na sua pureza, para quando elas os quiserem? Pode muito bem ser que os surfistas sejam as “louras estúpidas”, as "dum blondes" da nossa idade. O melhor é dar graças a Deus e não refilar muito. Há muitos outros géneros por onde escolher. Os surfistas devem ser, para as raparigas inteligentes, como o marisco à beira-mar. Embora se coma geralmente peixe e carne, num dia de Verão sabe bem ir comer marisco a uma esplanada de praia. Os surfistas são os camarões da época. É por isso que um dos pratos mais populares nas praias portuguesas é, precisamente, “Camarões à la prancha”.
Não se devia dizer mal dos surfistas porque os surfistas são um género novo, que não havia na Idade Média, e que se acrescenta com proveito à variedade do género humano. Querer que sejam profundos, literatos, extremamente sensíveis é como lamentar que os Beach Boys não saibam tocar Bach. Mas infelizmente é uma mania das raparigas portuguesas, esta de querer misturar os géneros todos. Vejamos.
As raparigas portuguesas não se contentam com rapazes de um só género. Olham para um surfista, gostam do que vêem, mas depois pensam: “que pena não ter nada naquela cabeça...” E suspiram, como se o mundo fosse injusto. Se o surfista fosse professor catedrático de filosofia já podiam apaixonar-se imediatamente. As raparigas mais literárias pensam ao contrário – olham para o jovem professor que lhes está a dar uma aula fascinante sobre Kant e pensam: “que pena ele ser tão pouco parecido com o Rob Lowe...”.
(...)
É cada vez mais frequente ver raparigas a tratar assim os surfistas namorados: “Então queridinho, - perguntam docemente pousando o livro de Kierkegaard que estão a ler, - hoje havia muitas ondas na praia? Havia? Ai que bom! Que bom para ti!”. E depois viram-se para as amigas e dizem: “coitadinho – é que ele fica tão contente quando eu lhe pergunto...”
Não pode ser.
PAS
_
20 Junho 2006

0 comentários:

My Blog List